segunda-feira, novembro 27, 2006

a propósito de solidão... a incompreensão...

(...)
- As coisas não andam bem entre nós
porque as coisas entre nós nunca foram entre nós, porque limitamo-nos a viver juntos separados, ela a procurar ser a esposa que aprendeu e lhe ensinaram, eu simplesmente espectador, incapaz de pertencer, de corresponder, de fazer o que é suposto
- Mas putas pai francamente
(...)
não fiz um desvio, não estou numa fase, não me enquadro num comportamento, terias de ter sido pequeno comigo, de baixares as calças diante duma puta cansada de cigarro na boca, terias de caminhar comigo pelo pó, a olhar as copas das árvores, nenhum desejo antes, nenhum prazer durante, nenhuma satisfação depois, eu afinal igual à tua mãe, vitelo à porta do matadouro, à espera que acabe depressa, como a pretinha a olhar o céu ao lado da minha cabeça qeu investia com um movimentom dois movimentos, tês quatro cinco, acabou, chega, volto a olhar o chão, não quero mais tirar os olhos do chão, porque tudo o que vejo se os levanto
(...)
não são as putas, João, estou aqui como em qualquer outro sitio, invejo as despedidads de solteiro, o desejo, o prazer, a satisfação, a excitação, palavras que sei o que são mas que não reconheço, terias de estar comigo na cama, no escuro, à espera que a minha mãe me viesse dar as boas-noites, que me beijasse sem beijar, com o ruído do meu pai a fexhar-se no escritório, como tu no quarto, todos a deixarem-me só
- Mas pelo esposto o doutor até preferia isso
não sei o que prefiro quando não conheço outra coisa, sou daquelas pessoas, entende, incapazes de sobreviverem desde que nascem, sou uma pessoa que de tanto se sentir só não consegue encaixar noutra coisa, como os reféns regressam volta e meia ao barracão onde estiveram algemados sem comer ou beber, à espera de reencontrarem o sequestrador sem que ninguém lhes adivinhe a nostalgia, não traio a minha mulher porque não há mulher para trair, há a tua mãe a deixar-se envelhecer os dois junts separados, linhas paralelas a fezermos o que é suposto, o que esperam de nós os que desenharam e planearam o mundo
(...)
- És igual aos outros
quem dera, João, quem dera filho, estaria agora a entrar num táxi, a rir-me com os colegas de camisa desapertada, a enfiar notas nos decotes
(...)
mas creio que irei pra casa, como sempre vou para casa, à espera acredites ou não, de te encontrar ainda de pijama a estudar, de te ficar a observar da porta do quarto, a coberto do escuro do corredor, antes de a tua mãe nos chamar para a mesa, desejar que não te cruzes com putas velhas, que não te vejas a caminho de uma palhota onde te aguarda uma menina como tu, de olhos no chão, que não seja isso a única coisa que conheces, queria ter planos para ti, indicar-te caminhos com segurança, antes de me deitar ao lado da tua mãe, não a imaginar, garanto-te
(...)
mas uma mulher que não tive não terei e não me explicaram que não teria, framboesas capim pés de milho uvas maduras nas videiras, a sorrirmos sem nos tocarmos e a olher o céu sem núvens.


excerto do romance "A Casa Quieta" de Rodrigo Guedes de Carvalho

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