quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Queixa e Imprecações dum "Condenado à Morte" ...


Por existir me cegam
Me estrangulam
Me julgam
Me condenam
Me esfacelam .
Por me sonhar em vez de ser, me insultam
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela !
Por lhes falar, proíbem-me as palavras
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos ...

Passo a passo os encontro no caminho
Que os deuses e o sangue me traçaram .
E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram !
Com angústia e com lama .

Passo a passo os encontro no caminho .
Mas eu sigo sozinho !
Dono dos ventos que me arremessaram
Senhor dos tempos que me destruíram
Herói dos homens que me derrubaram
Macho das coisas que me possuíram .

Andando entre eles invento as passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me à morte !
E as horas que sei que me estão contadas
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe ...

Sou eu que me chamo nas vozes que oiço
Sou eu quem se ri nos dentes que ranjo
Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo !

Sou eu que passeio as correntes e as asas
Por sobre as cidades que vou destruindo
Sou eu o incêndio que lhes devora as casas
O ladrão que entra quando estão dormindo .

Sou eu quem de noite lhes perturba o sono
Lhes frustra o amor, lhes aperta a garganta .
Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai, mal o sol se levanta .

Sou eu quem de dia lhes cicia o tédio
O tédio que pensam, que bebem e comem
O tédio de serem, sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem !

Sou eu que partindo aos poucos lhes deixo
Uma herança de pragas e animais nocivos !
Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos .

*Ary dos Santos*

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